Desde a mocidade que Patrícia António sonhava em ser mãe de três filhos. Duas meninas e um rapaz, este último a quem pretendia dar o nome de Erik Alexandre. Quando começou a namorar com o actual esposo, a realização do sonho parecia cada vez mais próximo.

POR: A JUSTIÇA

Aos 27 anos, depois do casamento, que também parecia um conto de fadas, Patrícia engravidou pela primeira vez, dando à luz uma menina, por cesariana, acção que a impediu de ter os filhos de forma seguida, para, como disse, parecerem gémeos.

Passados três anos e meio, Patrícia voltou a engravidar, aumentando assim a alegria do casal. Mas, no sexto mês de gestação, as coisas começaram a mudar. Ela começou a ter fortes dores no baixo ventre, muito corrimento e sangramentos momentâneos, acabando por ser internada numas das maternidades da capital do país.

Apesar da intervenção dos médicos, no sétimo mês Patrícia teve um aborto. Fez-se todo o processo, mas a paciente continuou hospitalizada por mais duas semanas e nesse período o quadro clínico piorou. A partir deste momento, Patrícia António começou a ter febres altas, a pressão baixava de forma drástica, sentia calafrios, tinha dificuldades para respirar, ritmos cardíacos acelerados, agitação e muita tontura. Sem perceber a mudança drástica no organismo da paciente, os médicos pediram exames urgentes.

Depois de algumas horas de espera, o diagnóstico saiu. Patrícia António tinha contraído uma sepse urinária e, já estava bem avançada, o que obrigou a equipa médica a levar a paciente aos cuidados intensivos.

Devido à gravidade da infecção e o alto risco de morte que corria, Patrícia teve de ser submetida a uma histerectomia total (retirada do útero), para que conseguisse sobreviver, mas sem este órgão fundamental para a vida reprodutiva da mulher.

“Eu vi o meu sonho de ser mãe de três filhos completamente cancelado, devido a esta maldita sepse, não posso mais engravidar, Mas agradeço a Deus por me manter viva para conseguir cuidar da minha única filha, que tem enchido a vida de todos de muita alegria”, disse, com as lágrimas a escorrerem.  

  UMA INFLAMAÇÃO GENERALIZADA

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola, a médica infectologista Maria Mateta definiu a sepse como uma inflamação generalizada, que decorre de uma resposta inflamatória e desregulada do sistema imunológico. 

A médica infectologista explicou que quando alguém contrai a sepse ou popularmente conhecida como infecção generalizada, o sistema circulatório perde a capacidade de gerir as demandas de oxigénio e nutrientes exigidos por órgãos como o pulmão, coração, rins, cérebro e alguns tecidos.

Esta situação, prosseguiu, impede os órgãos e tecidos de receberem a quantidade de sangue necessária. “Até mesmo um coágulo nos pequenos vasos compromete o bom funcionamento dos órgãos”, disse.

Para a infectologista, a sepse é uma doença complexa e potencialmente grave, que, quando não tratada rapidamente, pode levar ao choque séptico, queda drástica da pressão arterial, aumento do lactato no sangue, causando a falência múltipla de órgãos e levar à morte.

Quando a sepse atinge a fase mais grave, explicou, causa o chamado choque séptico, que é caracterizado pela queda brusca da pressão sanguínea, ao ponto desta não ser restabelecida mesmo com a administração de líquidos por via intravenosa. 

Por isso, aconselhou, os profissionais de saúde devem informar a população sobre os estragos que a sepse causa no organismo. “É um sério problema de saúde pública, principalmente nos países em vias de desenvolvimento, pois estudos indicam que 85 por cento dos casos de sepse e mortes ocorrem nestas localidades, devido ao deficitário sistema de saneamento”, esclareceu.

  Principal causa de morte nas Unidades de Tratamento Intensivo

Tal como Patrícia António, milhões de pessoas no mundo contraem sepse de vários tipos, sendo esta a principal causa de morte nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), numa estimativa de mais de 48 milhões de casos e 11 milhões de mortes anualmente.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os números são chocantes, especialmente pelo facto de muitas pessoas e até profissionais de saúde não saberem do que se trata.

Para a OMS, a data de hoje serve como oportunidade para se aumentar a consciência pública para este desastre de saúde pouco conhecido e também mostrar apoio e solidariedade às milhões de pessoas que perdem os familiares e os sobreviventes da sepse que sofrem as consequências da infecção a longo prazo. A data, destaca a OMS, também serve para lembrar aos Governos, profissionais de saúde e ao público  da necessidade urgente de se aumentar e melhorar o nível de educação, saneamento básico e as condições nas unidades hospitalares, a fim de se reduzir o número de vítimas mortais a nível mundial.

Infecção pode ser contraída com facilidade por doentes com morbidades crónicas, inclusive através de instrumentos cirúrgicos

A DOENÇA CAUSADA PELA RESPOSTA DE DEFESA EXAGERADA

Por se tratar de uma infecção que atinge em primeira instância o sistema imunológico, a médica infectologista explica que quando ocorre uma sepse, por regra o sistema imunológico, responsável por reconhecer e eliminar parasitas, bactérias, fungos, vírus e outras substâncias que possam causar danos ao nosso corpo, tende a exagerar na resposta de defesa.

“Ao reconhecer um organismo invasor, o sistema imunológico ‘recruta’ células e anticorpos especializados no combate a esses patógenos e elimina-os de maneira eficiente, com pouco ou nenhum efeito colateral. Esse processo denomina-se  ‘resposta inflamatória’. Acontece durante toda a vida, na maioria das vezes sem ser notado”, disse, acrescentando que, para se adaptar a alguns microrganismos, em geral, bactérias que apresentam um maior risco à saúde, o sistema imunológico pode gerar uma resposta inflamatória exagerada, capaz de causar danos não só ao patógeno invasor, mas também a diversos órgãos do corpo, originando a disfunção generalizada, denominada Sepse.

Maria Mateta realçou que as infecções relacionadas à sepse são normalmente derivadas de pneumonias, infecções urinárias, abdominais (apendicites), além das causadas por contágio hospitalar. Já em crianças e recém-nascidos, as principais responsáveis pelo surgimento da sepse são as infecções derivadas de meningites. Para a médica, o Dia Mundial da Sepse deve servir de muita reflexão, permitindo assim que o mundo mova forças para se acabar com este mal, capaz de provocar muitas mortes.

SINTOMAS

A especialista em infectologia sublinhou que os sintomas da sepse iniciam mais brandos e se agravam à medida que o quadro clínico evolui, e podem ser febre alta, calafrios, respiração acelerada ou dificuldade para respirar, ritmo cardíaco acelerado, agitação e tonturas.

Com a evolução do quadro clínico, outros sintomas começam a surgir, como diminuição da quantidade de urina, queda da pressão arterial, confusão mental, vómitos, fraqueza extrema e sonolência.

FACTORES DE RISCO

De acordo com a médica, qualquer pessoa, independentemente da idade e do estado de saúde, pode apresentar uma infecção que desencadeie a sepse. Entretanto, alguns grupos de pessoas estão mais propensas ao seu desenvolvimento, como pessoas na UTI por longos períodos, idosos acima de 65 anos de idade.

Constam também deste grupo  crianças abaixo de um ano de idade, pessoas com morbidades crónicas, tais como insuficiência renal, cardíaca, diabetes, cirrose hepática, pacientes com cancro, ou com inserção recente de dispositivos médicos (cateter, tubos de respiração ou marcapassos).

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