A ministra da Saúde, Sílvia Paula Valentim Lutucuta, está no centro de uma grave acusação de liderança de um esquema de usurpação de terreno no Talatona, município da província de Luanda. O alvo seria uma parcela de 1.565 m², propriedade do cidadão António Regideiro Anastácio, de 74 anos, cujos documentos de posse foram legalizados junto às autoridades competentes mas que, segundo testemunhas e documentos oficiais, foram posteriormente anulados por decisão judicial questionável.

Terreno legalizado desde os anos 90

António Regideiro Anastácio afirma ter ocupado o terreno desde os anos 90, onde desenvolvia agricultura familiar e pastoreio. Em 2021, iniciou o processo de regularização fundiária, obtendo o Título de Concessão de Direito de Superfície emitido pelo Governo Provincial de Luanda. O registo foi feito no Tribunal da Comarca de Luanda, publicado no Diário da República (III Série nº 90, de 15 de maio de 2024), e todos os pagamentos e autenticações foram realizados junto ao Instituto Provincial de Gestão Urbana de Luanda (IPGUL).

Contudo, em 2 de maio de 2024, o idoso foi surpreendido por fiscais da Administração de Talatona e oito efectivos da Polícia Nacional, que, segundo fontes próximas ao caso, agiram sob orientação da própria ministra da Saúde e do então administrador municipal, José de Oliveira dos Santos Bastos. Sem mandado judicial, os guardas do terreno foram expulsos sob ameaça de morte, e um novo grupo de seguranças armados foi instalado no local.

IPGUL confirma titularidade do idoso — e nega ligação da ministra

Em resposta a um ofício do antigo administrador de Talatona (nº 25457/GAB.AMT, de 6 de maio de 2024), o diretor do IPGUL, Osvaldo da S. Lima M. Fortes, confirmou, em 16 de maio de 2024, que os documentos do terreno estavam devidamente registados em nome de António Regideiro Anastácio, tanto na base cadastral quanto digital da instituição. Nenhum registo em nome da ministra Sílvia Lutucuta foi encontrado. O IPGUL exigiu que, caso a titular da pasta da Saúde possuísse algum título, o apresentasse e justificasse sua origem.

A Imprensa Nacional de Angola corroborou a legalidade do direito de superfície em 30 de setembro de 2024, confirmando a publicação oficial em nome do idoso, sob supervisão do atual ministro do Interior, Manuel Homem.

Apreensão do terreno e violação de selos judiciais

Apesar da regularidade documental, em 10 de outubro de 2024, o imóvel foi apreendido por agentes fortemente armados do Serviço de Investigação Criminal (SIC), com base num mandado de apreensão nº 291/024 emitido pelo Ministério Público, no âmbito de um processo-crime (nºs 1317/022-D e 1420/022-06). O acesso foi selado.

Surpreendentemente, em menos de três horas, os selos foram vandalizados e rompidos por indivíduos não identificados, que, segundo investigações, agiram sob orientação da ministra da Saúde e da administração local. Logo após, o ex-administrador José Bastos colocou nova segurança privada armada no local.

Testemunhas relatam que o ex-administrador adjunto para infraestruturas, Mauro Lucas, esteve presente durante a apreensão e, ao telefone com Bastos, teria dito: “Este país é uma brincadeira. Eu já resolvo isso.” Dias depois, o processo foi subitamente arquivado sem justificativa.

Rede de influência envolve irmã da ministra, advogados e juízes

Apurações indicam que o esquema foi articulado por Felizmina Maria Valentim Lutukuta, irmã da ministra da Saúde e docente da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto (UAN), em conluio com:

José de Oliveira dos Santos Bastos (ex-administrador de Talatona);

Mauro Lucas (ex-administrador adjunto);

João Carlos de Andrade, empresário à frente da construtora JC Andrade Lda.;

E uma rede de advogados do escritório CK-Advogados, incluindo Hermenegildo Cachimbombo (também docente da UAN), António Kalikemala e Vandro Capatela, este último chefe do Departamento de Contencioso do Gabinete Jurídico do Governo Provincial de Luanda (GPL).

Segundo fontes, esses profissionais teriam bloqueado todos os ofícios submetidos ao GPL em defesa de Anastácio sem que nenhuma resposta tenha sido dada até hoje.

Tribunal da Relação anula documentos — juíza é esposa de advogado do caso

O grupo submeteu um recurso à 3ª Secção do Tribunal da Relação de Luanda, onde atua como procuradora Euridice Cachimbombo esposa de Hermenegildo Cachimbombo, o advogado contratado pela irmã da ministra. O colégio de juízes, presidido por Rui Alberto Fernandes de Moura, anulou todos os documentos do idoso, impedindo-o de exercer seus direitos sobre o terreno.

Diante disso, Anastácio recorreu ao Tribunal Supremo, mas o processo está, até à data, bloqueado nos bastidores do poder judicial.

Proposta de suborno e ameaças de morte

Em novembro de 2024, o próprio João Carlos de Andrade identificado como afilhado político do ex-deputado Abel Epalanga Chivukuvuku teria contactado a família de Anastácio para propor um acordo extrajudicial:

A construtora JC Andrade Lda. ficaria com parte das residências a serem edificadas;

A família receberia 700 milhões de kwanzas (AOA 700.000.000,00);

Em troca, desistiriam de todas as ações judiciais.

Andrade teria revelado que o esquema contava com “lobby instalado no Tribunal da Relação” e que “compram até sentenças” para garantir vitórias. Ameaças foram intensificadas com a intervenção de altas patentes da Polícia Nacional, incluindo o ex-comandante municipal de Talatona, Joaquim do Rosário, e os superintendentes Goureth Fernando e Mateus Domingos João, que teriam dirigido operações do SIC e da Polícia de Ordem Pública para intimidar a família.

Silêncio das partes acusadas

A redação do Nsisa Reflexões contactou:

A ministra Sílvia Lutucuta via WhatsApp: a mensagem foi visualizada, mas não houve resposta;

O empresário João Carlos de Andrade, que delegou seu advogado Helder Neto — prometeu entrevista, mas nunca mais respondeu;

O ex-administrador José Bastos, que afirmou, também por WhatsApp, que “agiu de acordo com a lei” e que os documentos do idoso foram devidamente anulados, recusando-se a dar mais detalhes.

Pedido de providência cautelar sem resposta

Desde 19 de junho de 2024, o advogado de António Regideiro Anastácio move uma providência cautelar no Tribunal de Comarca de Belas (processo nº 109/2024-A, 4ª Secção). Apesar de reclamações formais, não houve qualquer despacho até hoje.

Fonte: Nsisa Reflexões

Partilhe Agora

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *