Um grupo de ex-guerrilheiros da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda – Forças Armadas Cabindenses (FLEC-FAC) declarou ontem o fim da luta armada naquela província e expressou o desejo de aderir à paz e à reintegração na sociedade.

De acordo com os ex-guerrilheiros, a decisão foi motivada devido ao cansaço, abandono, e não só, assim como às condições de vida extremamente precárias e às promessas não cumpridas por parte da liderança política da FLEC.

Em conferência no Centro de Imprensa Aníbal de Melo, em Luanda, o ex-chefe do Estado-Maior adjunto e responsável pelas operações militares da FLEC, Martins Chincocolo, disse que os guerrilheiros viveram durante anos em condições degradantes, alimentando-se com enormes dificuldades e sem assistência médica.

“Já sofremos muito. Trabalhámos muitos anos com o senhor Jean-Claude Nzita, que se diz presidente e, também, com Manuel Nzita. Foi tanto sofrimento que chegámos ao ponto de vermos apenas escuridão à nossa volta. Por isso, voltamos à nossa terra e decidimos servir o país”, afirmou.

Segundo Martins Chincocolo, a conferência de imprensa teve como propósito expor publicamente a realidade enfrentada pelo braço armado da FLEC-FAC. “Não vimos aqui defender o Jean-Claude , estou a falar a verdade. Eles prometiam apoio, 500 dólares por acção. Fizemos a missão e, no regresso, recebemos apenas 30 mil francos, que nem sei o que representam. Por isso é que muitos jovens desertaram”, denunciou.

Rejeição à política

O ex-chefe do Estado-Maior adjunto afirmou que os militares agora desmobilizados não têm qualquer envolvimento com a ala política da FLEC, da qual se demarcam completamente. “Somos militares, a política é outra coisa. Só queremos paz em Cabinda. A política é com eles, nós não somos políticos”, frisou.

Martins Chincocolo lamentou a precariedade com que os combatentes eram obrigados a sobreviver. “Recebíamos 100 dólares por mês para sustentar grupos de 20 a 30 homens. As armas estavam obsoletas, muitas nem disparavam. Quando adoecíamos, não tínhamos ajuda. Foi um sofrimento total”, desabafou.

O antigo xerife-comandante da região militar de Nkoto, João Maria Dunge, foi ainda mais incisivo, ao acusar os líderes políticos da organização separatista de enriquecimento às custas dos combatentes. “Jean-Claude Nzita é um mentiroso. Fomos usados e sacrificados sem qualquer apoio real. Até para comer ou tratar doenças dependíamos de esmolas”, denunciou.

Os antigos guerrilheiros clamam agora por apoio para a sua reintegração social e laboral, reconhecendo que muitos têm famílias a seu cargo. “Fomos chefes nas matas, mas agora queremos ser pais e cidadãos dignos. Precisamos de trabalho, educação para os filhos e assistência para recomeçar”, afirmou João Maria Dunge visivelmente emocionado.

Por seu turno, o ex-chefe da segurança militar do Estado-Maior da FLEC-FAC, Afonso Soni Elisabeth Sungo “Zing Zong”, destacou o sentimento generalizado de frustração.

“Já não queremos guerra. Estamos cansados de derramar sangue, muitos dos nossos morreram, outros ficaram perdidos nas matas. Voltamos porque queremos paz e uma vida digna junto das nossas famílias”, declarou.

Críticas à liderança do grupo e apelo à reconciliação

Os ex-combatentes mostraram-se decepcionados com a liderança da FLEC-FAC instalada na Europa.

Questionados sobre a origem dos fundos que sustentam o braço armado, a maioria afirma nunca ter tido contacto pessoal com Jean-Claude Nzita e questiona a origem dos fundos que sustentavam o braço armado.

Afonso Soni Elisabeth Sungo disse que a Frente de Libertação do Enclave de Cabinda mantém uma política fechada, como se de uma organização secreta se tratasse.

“É uma política escondida. Não sabemos quem os apoia. Fomos enganados durante todo esse tempo”, afirmou.

O grupo acredita que o acolhimento por parte do Governo angolano poderá incentivar outros combatentes a abandonar as matas. Calcula-se que cerca de 600 elementos ainda estejam nas matas, dos quais 285 já manifestaram vontade de regressar, aguardando apenas garantias de segurança e apoio logístico.

Expectativa de retorno em massa

Na ocasião, o ex-adjunto de segurança da FLEC-FAC, Alberto Paquita assegurou que, com o apoio do Governo, o regresso será inevitável. “Se o Governo nos apoiar, eles vêm. Todos querem sair daquela vida”, assegurou.

Além da negligência material, os ex-guerrilheiros denunciaram a manipulação e desinformação. “Muitos foram desencorajados a regressar ao país, com falsas ameaças de envenenamento ou perseguição por parte das autoridades”, declarou.

Por seu turno, o ex-secretário da Frente Norte de Buco Zau e Necuto, António Gabriel, corroborou com tais actos de desinformação e de amedrontamento.

“Diziam-nos que seríamos mortos ou perseguidos. Mas, ao chegar aqui, vimos o contrário: fomos bem recebidos, estamos a comer bem e a viver com dignidade”, garantiu.

Os ex-combatentes apelaram aos colegas que permanecem nas florestas de Cabinda e dos Congos para que abandonem a luta armada. “A guerra já não é caminho. Venham, aqui há paz e oportunidades. Não tenham medo, o Governo abriu as portas e está pronto para nos receber”, reforçou António Gabriel em nome do grupo.

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