O Primeiro-Ministro do Governo Sombra da UNITA, Raul Tati, considerou que o Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) em Cabinda, uma província com perto de 1 milhão de habitantes, fracassou devido a corrupção generalizada instalada nas instituições do Estado.
Segundo Raul Taty, que abordou o tema: “O impacto da corrupção no desenvolvimento de Cabinda”, no segundo dia das Jornadas Parlamentares da UNITA, que decorrem no enclave até ao dia 30 de Março, entende que, a corrupção terá contribuído para não o avanço dos projectos do PIIM na província.
O antigo deputado à Assembleia Nacional na legislatura de 2017/2022, como independente pela bancada parlamentar da UNITA, descreve que, a corrupção em Cabinda manifesta-se de várias formas, desde o desvio de fundos públicos destinados a projectos de infraestrutura, tendo apontado como exemplo, as obras do PIIM.
“Até à má gestão dos recursos provenientes da exploração do petróleo (caso 10% das receitas fiscais da exportação do petróleo). Estes actos não só desviam recursos essenciais para o desenvolvimento, mas também corroem a confiança da população nas instituições públicas”, disse.
Como resultado, de acordo com o Raul Taty, a população da província de Cabinda continua a viver em condições precárias, com acesso limitado a serviços essenciais como habitação condigna, alimentação, educação de qualidade, cuidados de saúde primários e especializados, água potável, electricidade, saneamento básico e outros serviços básicos.
“O fenómeno da corrupção não é específico de Cabinda, quer nas suas múltiplas formas de manifestação, quer na sua abrangência. O que se passa noutras latitudes do país tem pleno acolhimento também por cá”, referiu.
A corrupção como factor estrangulador da administração do Estado
Raul Taty constata que existem condições materiais e formais que colocam a administração local do Estado em situação de vulnerabilidade, tendo referindo-se ao que chama de desorganização, à indisciplina, à falta de rigor, à incompetência, à partidarização (militância), que ele são males consagrados nas instituições públicas locais.
A persistência desses males, ressalta o Primeiro-Ministro do Governo Sombra da UNITA, “gera como consequência a fragilização das instituições tornando-as ineptas (inábeis) e ineficientes”.
“Se os critérios de acesso aos postos de decisão ou de chefia são o tribalismo partidário que privilegia a militância em detrimento da cidadania e da competência, e o compadrio que está ligado às conexões de conveniência pessoal de quem manda, não se pode esperar que as instituições do Estado tragam bons resultados no combate contra as más práticas que estrangulam os princípios da beneficência e da proficiência do Estado”, disse.
Entende que a colocação de corruptos nas instituições é facilitada pela ausência de um “casting” para avaliar o perfil dos candidatos a cargos de chefia. “É aqui onde o Estado está a falhar. Estão a ser colocados aventureiros em cargos de responsabilidade”, sublinhou.
O antigo parlamentar sustenta que os principais vícios conhecidos na “nossa administração local têm que ver com o locupletamento, os negócios ilícitos (cabritismo), as comissões, as vantagens patrimoniais, a opacidade na contratação pública”.
A corrupção como factor gerador de pobreza.
Raul Taty lembra que a província de Cabinda é um território com 7 290 km2, rico em recursos naturais como o petróleo, os minérios (ouro, diamante, rochas fosfatadas, manganês, urânio, minerais radioactivos), recursos marinhos, recursos florestais (madeiras raras), solos aráveis com uma pluviosidade abundante durante nove meses do ano, uma vasta bacia hidrográfica.
Do ponto de vista demográfico, lembra ainda Taty, a região de Cabinda conta actualmente com uma população estimada em 801.374 habitantes (projecções do INE 2018), o que para si “esses dados são irreais, pois estou em crer que estamos muito próximos de 1 milhão de habitantes. Mesmo assim, Cabinda tem ainda menos população que os municípios de Viana (cerca de 1 milhão e oitocentos mil habitantes) e Cacuaco (cerca de 1 milhão e duzentos mil habitantes)”.
Segundo o dirigente do Governo Sombra da UNITA, com todos esses recursos a serem explorados de forma responsável e sustentável, a população de Cabinda teria uma vida condigna.”Infelizmente, há 50 anos o regime instalou em Cabinda políticas extrativas concentradas num único recurso: o petróleo”.
Na sua intervenção numa das unidades hoteleiras arredores da cidade de Cabinda, numa sala composta por deputados e membros da sociedade civil, Raul Taty reforçou que, na província mais ao norte de Angola, “o petróleo passou a ser o banquete dos deuses da colina de S. José, enquanto os filhos de Cabinda passaram a ser os servos da gleba (os mendigos) que se vão remediando com as migalhas que sobram do festim dos cleptocratas e donos disto tudo”.
“O petróleo de Cabinda tem sido o maior sorvedouro da famosa acumulação privada de capital, cuja guinada política foi praticamente institucionalizada pelo Presidente José Eduardo dos Santos depois da guerra civil”, afirmou.
Paradoxalmente, disse Taty, os recursos de Cabinda são igualmente a sua “desgraça”, pois entende que “os benefícios gerados pela indústria petrolífera concentraram-se nas mãos de uma oligarquia político-empresarial instalada na metrópole, criando ciclos viciosos de pobreza e marginalização, privando ainda a grande maioria da população de oportunidades para melhorar as suas condições de vida”.
“As aldeias limítrofes do campo petrolífero do Malongo já deviam ascender, no mínimo, à categoria de vilas e Lândana já seria uma cidade. Seria um reflexo do desenvolvimento local. Mas continuam a ser as mesmas sanzalas deixadas pelos portugueses”, assinalou.
O Primeiro-Ministro do Governo da UNITA nota que os 10% das receitas fiscais de exportação do petróleo (6 milhões de USD/mês) que eram alocados a Cabinda para investimentos locais, no seu entendimento, “não tiveram resultados notáveis no desenvolvimento humano”.
“Como esse dinheiro ficou à mercê dos apetites vorazes da elite governante, a sua gestão foi transferida para o assim designado fundo de equalização do MININF. Mesmo assim, nada mudou. Esfumou-se a ilusão dos cabindas de que a decisão de aplicar os 10% para Cabinda teria alguma serventia para melhorar as nossas vidas”, frisou.
Na sua opinião, o político do Governo Sombra pensa que o actual sistema governativo “é uma autêntica incubadora de pobreza multidimensional cujos indicadores são Instituto Nacional de Estatística, que aponta casos de nutrição, cuidados de saúde materna, mortalidade infantil, registo civil e anos de escolaridade”.
Aponta ainda debilidades em casos de “frequência escolar, combustível sólido para cozinhar, acesso à electricidade, tipo de material das paredes, chão e tecto da habitação, posse de bens, acesso à água apropriada para beber, acesso ao saneamento, trabalho infantil, desemprego entre adultos, desemprego juvenil e dependência”.
A corrupção fomenta o crescimento do sector informal da economia
Durante a sua preleção, o líder do Governo Sombra da UNITA, que cita o docente universitário Alves da Rocha, sublinhou que sempre que os sistemas formais de reprodução económica e de garantias sociais são incompletos e ineficientes, assiste-se a uma submersão duma parte importante das actividades económicas, com manifestos prejuízos, pelo menos, em matéria de capacidade de geração de receitas fiscais.
A corrupção associada à burocracia, aos esquemas, ao suborno, à “gasosa”, continuou a citar, “leva a que se desista de iniciar actividades económicas no sistema formal da economia”. Para Raul Taty, “a corrupção tem, pois, um impacto negativo no ambiente de negócios em Cabinda”.
“A falta de transparência e a prevalência de práticas ilícitas desencorajam investimentos privados que seriam essenciais para a diversificação da economia e a criação de empregos, frisou, acrescentando que “m vez de se promover sectores alternativos à indústria petrolífera, o sistema corrupto vigente mantém a economia da região exclusivamente dependente do petróleo, aumentando a sua vulnerabilidade tendo em conta as incertezas no mercado internacional relativamente à flutuação dos preços do crude”.
A promiscuidade entre a política e os negócios.
Um dos grandes problemas do actual regime corrupto do MPLA, segundo o político, “é a forte promiscuidade entre os cargos políticos e os negócios”. Essa realidade, na visão de Raul Taty “está muito bem retratada por Tom Burges na sua obra “A pilhagem de África” (2015) e por Tony Hodges na obra “Angola – Anatomy of an oil State” (2001) e por Francisco Louçã (et alii) na obra “Os Burgueses. Quem são, como vivem, como mandam” (2014)”.
Disse que durante 50 anos de governação, o MPLA consolidou esta espécie de “arquétipo cultural” que tem abalado os alicerces da administração pública. “O resultado disso é a indisciplina, a desordem, a ineficiência, a porosidade de todo o sistema administrativo a práticas ilícitas”.
“Estou aqui a evocar práticas lesivas ao interesse público que se tornaram um costume promovido e tutelado pelo “MPLA SA” e que impedem aos cidadãos comuns o acesso aos principais bens de primeira necessidade”, sustentou Raul Tay, Primeiro-Ministro do Governo Sombra da UNITA.
As XII Jornadas Parlamentares da UNITA, que decorrem em Cabinda com o lema: “Pela autonomia local, ao Serviço do Cidadão”, encerram no domingo, 30 de Março. Nesta sexta-feira, 28, os deputados foram distribuídos em grupos para visitas de constatação dos dez municípios da província.